Hoje, amanhã e no Domingo de Páscoa, estaremos postando uma adaptação do devocional produzido como projeto de conclusão do Mestrado em Formação Cristã e Discipulado do nosso Centro, que abre uma nova turma em fevereiro de 2020. Se você tem interesse em saber mais sobre o próximo curso, pode ler aqui e entrar em contato para mostrar seu interesse.
Então isto é uma boa sexta-feira1?
Existem tantas maneiras de refletir na Crucificação… por onde começamos? Escreve-se sobre a magnitude desse evento desde que ele aconteceu, ele já encheu inúmeros livros e sermões mas mesmo assim, de certa forma, continua a desafiar nossas descrições.
Porquê a Igreja tornou essa sexta-feira “boa”, continua a ser um pouco confuso para mim. Essa Sexta-feira só se torna boa, ou uma vitória, à luz do que agora sabemos ter acontecido no Domingo de Páscoa. Mas como em todos as boas histórias, pular para o final pode nós adiantar os fatos, mas não nos faz entrar nela e participar.
“Uma crise total da Narrativa Bíblica…”
A crucificação é um final ruim. Não é o que os primeiros discípulos de Cristo tinham em mente. Era um fracasso aos olhos de qualquer um que descrevesse o que pensava ser reinado, messianidade e vitória em 33 d.C. em Jerusalém. A Sexta-Feira Santa é o crescendo do vazio da jornada pelo deserto, durante a quaresma, pelo calendário da Igreja, quando somos levados a contemplar o Deus crucificado.
Se vamos dizer que a Cruz é gloriosa, ela só deve ser gloriosa se vista em retrospecto, apenas se desfocarmos a visão diante da realidade horrível do que aconteceu. Como dar sentido a esse ato? Como esse sofrimento, essa vergonha e humilhação criam a base da história de Deus e de toda a história da Humanidade?
Até muitos Romanos, os altos funcionários, denunciaram a crueldade da Cruz. Cícero a chamou de “a praga” no império. Ainda que a cruz tenha sido implantada como uma ferramenta do império, não existem relatos na literatura que sejam mais detalhados do que os dos evangelhos. Parece que até os Romanos ficavam enojados demais para imortalizar a existência dela em palavras.
Então, Jesus é pendurado na Praga Romana (tenha em mente a narrativa da páscoa original), e é pendurado em um madeiro (uma maldição judaica). A Palavra, que estava no princípio, se tornou carne e foi morta em uma árvore amaldiçoada. Uma árvore está no jardim e uma árvore está no Calvário.
Até a vida de Jesus, a narrativa bíblica podia ser lida como uma progressão em direção ao sucesso da nação de Israel, contra todas as probabilidades. Jesus entra como aquele que deveria marcar o gol, mas ao invés disso, Ele cria o que o teólogo Robert Jenson chama de “uma crise da narrativa bíblica completa”.
Jesus, como o Homem-Deus para nós, adentra na experiência mais obscura e desamparada, feita pela sua criação rebelde e revela que glória e beleza podem ser encontradas em meio a isso. A História de Deus começa na beleza inocente do jardim e termina na beleza consumada do jardim-cidade. Mas a glória de Deus é manifesta, não apenas na inocência ou na conclusão, mas no processo. As experiências anteriores conduzidas pela quaresma no deserto buscam nos ensinar que Deus entrou nos lugares desolados da nossa criação, o centro do nosso sofrimento, e como Kuyper diz: “não há centímetro quadrado em todo o domínio da nossa existência humana sob o qual Cristo…não clame ‘é Meu!”
Muitas das nossas formas intuitivas de alcançar Deus, incluindo as bases de muitas religiões, envolvem ascender até o lugar onde Deus está. A Cruz, contudo, revela que não é pela nossa ascensão mas sim pela descida de Deus que alcançamos a comunhão com Ele.
Jurgen Moltmann, fala assim;
“Quando Deus se torna homem em Jesus de Nazaré, Ele não apenas entra na finitude dos homens, mas em sua morte na cruz, também entra na situação miserável da humanidade. Em Jesus, Ele não morre a morte natural de um ser finito, mas a morte violenta de um criminoso na cruz, a morte de abandono completo por Deus. O sofrimento na paixão de Cristo é abandono e rejeição por parte de Deus, seu Pai.
… Deus não se torna uma religião, para que os homens participem nele correspondendo em pensamentos e sentimentos religiosos. Deus não se torna uma lei, para que os homens participem Nele através de obediência a uma lei. Deus não se torna um ideal, para que os homens alcancem a comunhão com Ele através de esforço constante. Ele se humilha e toma sobre si a morte eterna dos ímpios e miseráveis, para que todos os ímpios e miseráveis possam experimentar a comunhão com Ele.”
Assim como nossa própria experiência no deserto, a Cruz de Cristo parece obscurecer o Deus que conhecemos. Onde está Deus? Certamente Deus não pode estar presente, ou até participando dessa existência de inferno-na-terra. E ainda assim, aqui encontramos o Deus-homem em uma árvore.
Existem ecos por toda a história de Deus de que Ele retornará como um Rei, que vai recuperar o que foi perdido no jardim, devolvendo a vocação Sacerdotal e Real que havia sido jogada fora. Ao olharmos para a jornada de Jesus na Semana Santa, podemos vê-la como uma ascensão ao trono. Ele recebe, zombeteiramente, um robe real, uma coroa de espinho e um cetro. Os Romanos insistem que um Rei é forte o suficiente para se salvar de uma cruz. Se Ele não consegue se salvar, como conseguirá salvar seu povo? Como servos à mesa de um rei, eles oferecem vinho, mas é um vinho azedo dos pobres, não o vinho doce dos reis. Essa não é a coroação que as pessoas esperavam. Jesus é chamado zombeteiramente de Rei dos Judeus, contudo, essa declaração irônica se torna verdade.
Sua vocação sacerdotal é realizada a medida em que sua morte inicia a destruição do templo com o véu sendo rasgado, o Santo dos Santos se torna desvelado para que todos vejam. Jesus é o templo, ele é a fonte de água vida, Ele é o pão da vida. Ele é o Grande Sumo Sacerdote.
Eu poderia continuar a desembrulhar e meditar na morte de Jesus. De fato, isso já foi feito antes. Mas a coisa necessária para a jornada de formação cristã não é simplesmente analisarmos a morte de Jesus à distância, mas nos engajarmos e adentrarmos nela. Essa é a jornada de formação, nos unirmos a Cristo em sua morte para encontrar comunhão com Ele e compartilhar da alegria que foi colocada diante Dele.
Ao invés de se apressar e interpreter a Boa Sexta-Feira pelas lentes do Domingo de Páscoa, habite na cruz, hoje. Um lugar de miséria e desespero, com apenas uma pequena fenda de esperança oferecida nas palavras de Jesus:
“Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo.”
Considere passar um tempo meditando neste vídeo que usa recursos visuais para mergulhar nas últimas palavras de Jesus.
Esse video é incomum, lento, difícil de compreender. Ele não é direto. Permita que ele abra um espaço imaginativo em você para pensar como os discípulos vivenciaram a morte de Jesus. Se afaste da preferência moderna de pular para o fim da história e se permita conhecer a Deus aqui.
Assista a essa cena sombria, e o fogo começa a surgir.
Como o arbusto no deserto de Moisés, é a cruz de Cristo na nossa história.
Um fogo estranho.
Então, nuvens, como as nuvens que guiaram os Israelitas pelo deserto.
Então, finalmente, vemos o pai.
“Se você viu a mim, você viu ao Pai.”
- Para fins de compreensão da totalidade do texto, ao invés de denominar como “sexta-feira santa”, como comumente é titulada a data nos países de língua portuguesa, manteremos o termo utilizado pelo autor, “Boa Sexta-feira”, tradução literal da data na língua inglesa. ↩