A palavra vocação vem da palavra latina “vocaré”, que significa chamar ou nomear. É um termo que tem sido amplamente discutido entre estudiosos e teólogos e ao longo dos séculos tem sido associado principalmente com aqueles que ocuparam posições dentro do clero ou domínio da igreja. Isso significava que outras formas de trabalho, como ser dona de casa, fazendeiro ou artista, por exemplo, eram consideradas menos honrosas e sagradas, pois existiam para lidar com a vida na terra, e não com questões celestes. Hoje, o termo vocação é usado principalmente para descrever a carreira ou profissão de uma pessoa, e a ideia de o trabalho fazer parte de nosso chamado é um conceito estranho para a maioria.
O Impacto do Pensamento Dualista. A separação entre o trabalho cotidiano e o culto dominical tem enorme impacto sobre a eficácia da igreja na sociedade. Muitas pessoas pensam erroneamente que o nosso envolvimento com o mundo tem apenas uma natureza espiritual, resultando na espiritualidade sendo muitas vezes divorciada do que constitui o trabalho das pessoas neste mundo. Essa desconexão vem de vários pontos de origem, sendo um deles o Iluminismo, que mudou a maneira como nos relacionamos com o cosmos. O cristianismo tem sido fortemente influenciado pelo pensamento dicotomizado resultante que separa o mundo espiritual do mundo natural. Isso tem influenciado muito a forma como imaginamos vocação e uma visão bíblica do trabalho. De acordo com a autora e palestrante Landa Cope (2011), “Em nosso foco em evangelismo, missões, ministério tradicional da igreja e a dicotomia secular versus sagrada, nós quase perdemos a teologia dos leigos, uma perspectiva bíblica de trabalho fora da instituição da igreja”. Embora a separação entre o mundo espiritual e o mundo natural não seja baseada em uma cosmovisão bíblica, é triste ver que o pensamento dualista tem sido ligado à prática cristã por séculos. No quarto século, Eusébio de Cesaréia revelou seu pensamento dualista ao descrever a “vida perfeita” e a “vida permitida”. Eusébio escreveu:
“A vida perfeita foi aquela a que Deus chamou o clero – uma vida de oração, adoração e serviço a Cristo através da igreja. Outras ocupações, embora não proibidas, levavam menos dignidade. O trabalho de agricultores, artistas, comerciantes e donas de casa não era mau, mas tampouco era abençoado, e essas funções certamente não eram chamados de Deus. Afinal, eles estavam preocupados com as coisas da terra, enquanto o clero estava ocupado com as coisas do céu”.
A reforma no século XVI respondeu tanto a esta como à visão humanista estabelecida no Renascimento Europeu no século XIV, reacendendo um entendimento bíblico de que ambos os modos de viver são santificados na presença de Deus. Miller (2009) escreve:
“Recuperando uma cosmovisão holística e bíblica, eles [os reformadores] reconheceram que não existe uma dicotomia sacro-secular, mas apenas uma vida consagrada ou não consagrada. O que era considerado secular, agora, era entendido como relacionado ao sagrado. ”Os puritanos tinham uma visão ainda mais ampla da teologia da vocação. Eles explicaram que cada pessoa tinha múltiplos chamados que precisavam ser mantidos juntos. Eles entendiam que todo cristão tinha um chamado maior, um chamado comum e um chamado específico. Eles acreditavam que nosso maior chamado não era para o trabalho, mas para o próprio Cristo. “Theology of Vocation” de Skye Jethani
Mesmo hoje, experimentamos os efeitos do pensamento dualista na igreja. Cope (2011) diz que “ao longo do último século, desvalorizamos o trabalho fora da igreja ao ponto de grande parte do corpo de Cristo sentir que não recebia os “bons dons” como pregação ou evangelismo”. Além disso, a igreja atual lida com um dilema de uma negação funcional da pessoa do Espírito Santo como viva e ativa na comunicação conosco sobre nosso chamado específico. Jethani (2014) diz: “Os cristãos não estão preparados para engajar-se em sua mais alta vocação (comunhão com Deus) e nem para discernir seu chamado específico (vocação).” Engajar-se com Deus na plenitude do que Ele planejou para nós, individual e corporativamente, não pode e não será possível se deixarmos de fora um relacionamento dinâmico e contínuo com o Espírito Santo em nosso local de trabalho. De fato,
“Realmente não há divisão entre sagrado e secular exceto o que criamos. E é por isso que a divisão dos papéis e funções legítimos da vida humana no sagrado e no secular causa danos incalculáveis às nossas vidas individuais e à causa de Cristo. Os santos devem parar de entrar no “trabalho da igreja” como seu curso natural de ação e assumir ordens sagradas na agricultura, indústria, direito, educação, bancos e jornalismo com o mesmo zelo anteriormente dado ao evangelismo ou ao trabalho pastoral e missionário”. (Dallas Willard)
Se quisermos ser um povo de influência que realmente cause impacto nas diferentes esferas da sociedade e na vida dos indivíduos, é necessário que adotemos a perspectiva de Deus sobre a vocação.
Por essa razão, desde o dia em que o ouvimos, não deixamos de orar por vocês e de pedir que sejam cheios do pleno conhecimento da vontade de Deus, com toda a sabedoria e entendimento espiritual. E isso para que vocês vivam de maneira digna do Senhor e em tudo possam agradá-lo, frutificando em toda boa obra, crescendo no conhecimento de Deus e sendo fortalecidos com todo o poder, de acordo com a força da sua glória, para que tenham toda a perseverança e paciência com alegria, dando graças ao Pai, que nos tornou dignos de participar da herança dos santos no reino da luz. (Colossenses 1:9-12)
Para mais leitura recomendo:
Benner; D. G. & Green, T. (2009). Desiring God’s Will: Aligning Our Hearts with the Heart of God
Miller, D. (2009). Life Work: A Biblical Theology for What You Do Every Day
Nelson, T. (2011). Work Matters: Connecting Sunday Worship to Monday Work